quarta-feira, 16 de março de 2011

Discursos sobre a Natureza 2

Há cerca de 10 mil anos o Homem deu início à domesticação de plantas e animais, ainda na pré-história. As grandes marcas desse processo são as transformações das paisagens terrestres, que inauguravam uma nova etapa da relação do homem com o meio. Épocas difíceis para os seres humanos, que tinham sua vida condicionada pelos ritmos da natureza (chuva, frio, sol, seca....). Tempos distintos dos que vivemos hoje.


A invenção ténica cria possibilidades de conhecimento e controle da natureza, pela constituição  de um novo meio geográfico (adensamento de técnicas no meio natural). O surgimento da agricultura - produto deste processo -  possibilitou a sedentarização humana e o acúmulo de tempos passados na forma de trabalho humano através de várias obras (aquedutos, barragens, canais) sobre uma mesma porção do território, modificando as condições de vida. Surgiam as primeiras cidades, pois o avanço técnico, cultural e político libertava mão de obra do campo, agora voltada à atividades como o comércio, o culto aos deuses, a guerra. Tinha início a complexização da vida social, política, cultural e territorial dos povos do mundo.





Nos tempos da natureza selvagem, a superfície terrestre habitável coincidia com as áreas de ocupação efetiva dos agrupamentos humanos, onde havia uma mescla de técnicas e conhecimentos agindo sobre determinada porção de natureza. Essa Geografia de vida, o próprio habitat humano, coincidia com os lugares da existência. Hoje, por conta da difusão de uma técnica planetária e única, todo o planeta possui a possibilidade de abrigo do homem, com os lugares podendo se transformar em novo meio geográfico abrigando técnica, ciência e informação.


As novas possibilidades de uso do planeta, dadas pelo brutal avanço tecnológico, rompeu com o equilíbrio natural. Afinal, a difusão das técnicas mais avançadas, materializadas nos objetos geográficos (portos, rodovias, aeroportos, hidrelétricas dentre outros), criaram uma nova natureza - uma segunda natureza, como chamou Marx, mimetismo superior da primeira, com novas possibilidades de realização da vida.


O conjunto dos lugares formados pela instalação das novas técnicas foi chamado por Milton Santos de Meio Técnico-Científico-Informacional. Esta nova natureza, agora melhorada, transforma toda superfície terrestre , de fato, no ecúmeno, no espaço como território-abrigo.

O  controle das técnicas envolve práticas políticas, havendo muitos interesses em jogo, a participação de grupos e classes distintas, o controle e uso ideológico da informação. Afinal, não vivemos mais o tempo da ingenuidade do mundo, mas aquele das intencionalidades das coisas. Assim devem ser interpretados os discursos, principalmente aqueles uníssonos em tempos de enorme diversidade.




É interessante perceber que, tendo sido criadas as condições para a vida da melhoria de todas as pessoas do mundo, vozes de todos os cantos do mundo se levantem, não em torno da defesa das igualdades de direitos, de oportunidades, de distribuição da riqueza ou do poder. Mas em defesa da Natureza, talvez a marca perversa de nosso tempo (apesar de parecer o contrário!).

É desumano que todos os esforços políticos e técnicos tenham sido feitos para conquista dos ares, mares, do espaço sideral, e que não tenhamos avançado, no mesmo ritmo, para combater a fome e as injustiças sociais!

A partir do surgimento dos movimentos ambientalistas, na metade dos anos de 1960, as atenções para o chamado mundo natural acabaram por deslocar para um segundo plano o cuidado das questões sociais. A desigualdade, a miséria, a exploração humana, desde então, tragédias de nosso tempo (que oferece enormes possibilidades para superá-las) não ganharam o mesmo destaque (pela mídia hegemônica) para busca de soluções, como aquelas recebidas pelas chamadas questões ambientais.



A natureza domesticada parece sobrepor-se ao homem, em detrimento do processo de humanização e do humano. Torna-se fundamental, diante da inversão de valores que se coloca no presente, a leitura dos interesses políticos por trás da hierarquização de prioridades, pois a destruição de parcelas da chamada natureza, hoje também alvo do consumo e da política, é expressão das engrenagens do próprio sistema político e econômico que, há alguns séculos, vem moendo e engolindo os próprios homens e, de forma hipócrita, cuspindo os seus pedaços na forma de discursos que faltam com a verdade para o futuro da humanidade, e coerentes com a própria história do homem na Terra.

domingo, 13 de março de 2011

Paisagens de São Paulo

São Paulo constitui-se em território imenso e complexo, prova viva de que o mundo se realiza nos lugares, - haja vista a expressão de suas paisagens, juntamente com a ideia de como elas se formaram ao longo do tempo.


A diversidade espacial paulista deve-se, em grande parte, à capacidade de seu território de atrair e conectar-se com o mundo - pessoas, ideias, produtos aqui chegam por muitas razões, viabilizadas pela enorme integração (aérea, terrestre e marítima) que o estado possui com  outros lugares e regiões do Planeta.


Possuindo três dos maiores aeroportos do país (Cumbica, Congonhas e Viracopos), uma densa rede viária e a proximidade com o Porto de Santos, São Paulo integra-se a um sistema planetário de fluxos. Sem contar os fluxos informacionais, mais difíceis de serem mensurados, mas com grande implicações para a vida nesta contemporaneidade - rádio, TV, telefone celular, internet trazendo o mundo até nós, nos modificam pela assimilação da moda, de gostos, de cultura de outros lugares, agindo sobre nossa consciência, sobre nossos desejos.







Pode-se pensar qual o impacto causado no grande contingente de brasileiros pobres, em todas as regiões do país, ocasionado pela  maciça divulgação de uma terra das oportunidades - que oferece trabalho e abrigo para todos. Ainda há poucos estudos dessa psicosfera alimentada por uma ideologia poderosa, a qual é motor dos movimentos migracionais brasileiros.


Conectando a capital - a cidade de São Paulo - com as enormes regiões do interior paulista, além do sistema aéreo, temos importantes rodovias como Anhanguera, Bandeirantes, Washington Luís, Raposo Tavares e Castelo Branco, por onde circulam, além de viajantes e trabalhadores, grande parte da riqueza produzida no interior do país, com destino às regiões mais populosas (como Campinas ou a Grande São Paulo), ou mesmo para exportação.


As regiões agrícolas como aquelas no entorno de cidades como Limeira e Ribeirão Preto, por exemplo, sendo comandadas de fora, organizando paisagens agrícolas com base na monocultura de exportação como aquelas para produção de laranja, cana de açucar indústria, não têm, muitas vezes, suas necessidades criadas nas reais demandas do povo brasileiro. 




Tanto na formação da demanda, quanto na determinação de como e o que será produzido, há grande determinantes externos. E isto exige, além das conexões para circulação dos produtos, um vasto sistema de circulação da informação (ideias, dados, ordens) entre os centros de comando (distantes milhares de quilômetros) e as áreas produtoras.


Há outros elementos de conexão com o mundo exterior como as universidades, e as multinacionais. Na maioria das vezes, as pesquisas e a produção acadêmica ou empresarial decorre, não das necessidades dos paulistas ou brasileiros em geral, mas de interesses internacionais, em detrimento dos nacionais. Infelizmente, este tipo de neocolonialismo velado ainda é bastante presente em nosso país.





Nossa grande utopia é que todo o potencial produtivo e humano existente em São Paulo seja colocado a serviço do seu povo, para a satisfação das necessidades das pessoas que nele vivem. E que haja a transformação do território como recurso para, de fato e de direito, um território abrigo. Um verdadeiro espaço banal para todos os brasileiros e estrangeiros que aqui vivem.



sábado, 12 de março de 2011

Blogs legais, de gente legal, falando de um mundo incrível

Acho que já deu para perceber que não costumo escrever em primeira pessoa, acho que por vício acadêmico. Só pode ser. Mas, hoje vou tentar driblar este vício...vamos ver...




Tudo bem. De todo modo, creio estar comunicando algumas ideias, questões que passam pela nossa cabeça e que, por conta das correrias da vida, da aceleração de nosso cotidiano, nem sempre encontramos alguém com tempo, disposição ou afinidade (ou tudo isso junto e misturado) para poder compartilha-las.

Como escrever, de certo modo, é buscar leitores para seus escritos (interlocutores, na melhor das intenções), é tirar as ideias da gente e, com uma pitada de medo (seremos julgados?) e coragem (e daí se o formos?) e  coloca-las no mundo, doa-las a outros para que aquelas ideias (que já não nos pertencem, será?) possam ser melhoradas, lapidadas, aperfeiçoadas, tornadas melhor do que poderíamos sozinhos fazer e, quem sabe um dia, por uma dessas traquinagens do destino, consigamos recebe-las de volta?





É indissociável, pelo menos para mim, o par escrita-leitura. Afinal, parece que a gente só escreve quando está quase transbordando de tudo aquilo que pôde ler, do alimento que colheu em diversas fontes, que engordam e fazem crescer as nossas próprias histórias. Assim, quando estou em processo de escrita, é a fase que costumo ler muito. Ler de tudo, virtual ou impresso, acadêmico ou trivial.






Apenas alguns exemplos dessa prática nesses dias: estou lendo, para a pós-graduação, "Questões de Método" do Sartre; "Métodos da Geografia" de Pierre George (e já tem na fila dois escritos do Marx - O 18 Brumário e Crítica da Economia Política, além de um texto do Vidal de la Blache). Como lazer, estou já na metade do livro de Ingrid Betancourt ("Não Há Silêncio que não termine") que conta, com belas descrições e escrita impecável, seu cotidiano durante os quase sete anos que passou sequestrada pelas FARC-EP na selva colombiana.




Também costumo ler em meio virtual -afinal, a internet facilitou muito a nossa vida para encontrarmos coisas escritas inteligentes e interessantes no conforto do nosso lar.

Como estou trabalhando em dois textos simultâneos para o blog e, enquanto eles não ficam prontos, gostaria de compartilhar alguns endereços de gente legal, competente e que, virtude muito apreciável por mim, tem o coração na ponta dos dedos enquanto escreve...emoção pura (e nem sempre dissociada da razão mais profunda!)





Como sempre busco ler escritos de gente que tenta desvendar o mundo, ou falar sobre ele, acho fantástico viajar junto, mergulhar nas ideias do outro, pensar sobre aquilo que pensaram e poder clarear as próprias ideias que tenho sobre as coisas. Afinal, isto também é viver a vida com intensidade e sabor!

Vou colocar alguns dos endereços que tenho visitado, como disse, nessa descoberta de gente muito bacana, para vocês poderem compartilhar do prazer que tenho tido ao ler as maravilhas que, com grande generosidade para se doar ao mundo, elas  nos oferecem:




Um abraço a todos,
James

terça-feira, 8 de março de 2011

Discursos sobre a Natureza 1

Todo verão a história se repete - basta começar a temporada de chuvas para surgirem na mídia explicações pretensamente científicas para os fenômenos do tempo e do clima. É importante conhecer o funcionamento da natureza, mas é bom cuidar para que se evite, em nome das "verdades  científicas", que não sejam produzidas explicações equivocadas.



Há, de parte da ciência, uma busca incessante por modelos explicativos do real. São recorrentes na mídia, para legitimação da informação, usos de partes de modelos científicos, bem como inúmeros exemplos na tentativa de simplificação de problemas complexos. "Tem chovido em alguns dias mais do que o previsto para aquele mês" ou "faz mais calor do que há 50 anos" são, apenas, alguns exemplos.

É interessante a distorção feita ao se colocar a estatística e a previsão como o real, e a natureza como o modelo falho, que merece ser corrigido pela explicação. É importante considerar que há eventos climáticos que são cíclicos como as chuvas que retornam, somente, a cada 30, 50, 100 ou mesmo 500 anos. Ou secas também periódicas. Entretanto, o jornalismo cotidiano parece, forçosamente, ignorar esses eventos que participam de processos maiores, já bastante conhecidos nos meios especializados (laboratórios, universidades, revistas temáticas), em nome de uma didática simplória e temerária.

O discurso jornalístico, apesar de ser importante por alcançar grandes massas e, deste modo, popularizar e valorizar a ciência, muitas vezes, peca por forçar o uso dos modelos em substituição do real. Na verdade, a anomalia não foi o evento climático em si, mas as estimativas e previsões equivocadas, o erro grosseiro dos cálculos, o discurso mal cuidado acerca do funcionamento e das leis da natureza, e a disseminação acrítica  da ideia de produção das verdades científicas que seriam, por princípio, permanentes  e inquestionáveis.

As possibilidades técnicas de monitoramento do clima e do tempo atmosférico (radares meteorológicos, mapas de superfícies de calor, estações climáticas) - dados do novo período tecnológico no qual vivemos - permitem leituras cada vez mais competentes e rigorosas dos eventos climáticos, somados às facilidades de busca por informação de qualidade, e o contato com profissionais qualificados para tratar da questão evitariam tais equívocos, se a intenção for a de informar, e não a de confundir. 

É preciso que a mídia tenha mais critério tanto na escolha dos profissionais convidados a falar para a população, quanto nos usos da ciência, ingênua ou deliberadamente distorcida, colocada como sinônimo de realidade.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Cidades do Amanhã

A leitura do clássico livro de Peter Hall (Cidades do Amanhã), obra fundamental que passa pelas principais teorias do planejamento urbano entre os séculos XIX e XX nos traz enorme interesse por levantar, na história das ideias, as principais utopias e projetos que tratam do urbanismo e, nesta tentativa de reconstrução idealizada das cidades, da melhoria da vida das pessoas - através da prática política de um planejamento progressista.





Simultâneo à leitura do clássico, chegam notícias do cotidiano da metrópole paulistana - dos protestos que aconteceram nesta manhã de sexta-feira na estrada do M´Boi Mirim (04/03/2011), principal via de conexão da região de mesmo nome com áreas centrais da cidade de São Paulo.

http://g1.globo.com/vc-no-g1/noticia/2011/03/leitora-registra-protesto-na-estrada-do-mboi-mirim-em-sao-paulo.html

Os ideários de uma cidade planejada estética e funcionalmente para atender aos mais altos desejos humanos, presentes na magnífica obra de Hall, constrastam com o sofrimento cotidiano de contingente significativo de pessoas que vivem nas regiões populosas de São Paulo. Na origem dos protestos desta sexta-feira, encontra-se a exigência por imediata melhoria dos transportes, dentre outros serviços da metrópole.

É interessante observar as declarações de uma das autoridades cobradas pela população - o subprefeito de M´Boi Mirim - que apontam para propostas que trariam, se efetivadas, soluções a médio e longo prazo, como a construção de mais avenidas, pontes e a modificação do projeto do metrô para que chegue ao Jardim Ângela. Respostas que envolvem, como se percebe, a busca por maior fluidez e  conectividade com regiões mais privilegiadas da cidade .

Uma pergunta que se pode fazer é: porquê  ainda se mantém este martírio cotidiano para milhões de sujeitos metropolitanos pela simples, brutal e insana concentração de serviços e do emprego nas regiões mais centrais, obrigando os moradores das regiões periféricas a um deslocamento diário, em péssimas condições, consumindo tempo e recursos preciosos de suas existências?



Por conta da velocidade que a vida adquire na cidade contemporânea, é fundamental e urgente a busca por novas racionalidades territoriais para a prática política de um novo planejamento urbano - pois as velhas e já desgastadas fórmulas e modelos para as cidades já se demonstraram ineficazes, e urge que novas e inteligentes soluções sejam colocadas em prática antes de terem sua data de validade vencida.


quinta-feira, 3 de março de 2011

O Tamanho do Brasil - Riqueza de Quem?

Em março de 2008 dois grandes professores de Geografia que muito admiro pela seriedade e competência na produção de um pensamento genuinamente brasileiro (Márcio Cataia e Samira Peduti Kahil)  organizaram um evento na UNESP/Rio Claro intitulado "O Tamanho do Brasil - Território de Quem?".  Me vem à memória este evento ao ler que o Brasil já é a 7ª Economia do Mundo, segundo cálculo dos economistas liderados pelo ministro Guido Mantega.

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/883828-brasil-ja-e-a-7-maior-economia-do-mundo-diz-mantega.shtml

Continuando aquelas reflexões e parafraseando os eminentes professores, podemos nos perguntar: riqueza de quem?




O Brasil ter se tornado, economicamente, mais pujante do que economias historicamente fortes como aquelas do Reino Unido e França suscita diversas reflexões. Uma delas, quais os destinos desta riqueza, já que suas origens, podemos afirmar, muito mais do que da abundância dos recursos minerais e das extensões de solo fértil, advêm da exploração do trabalho humano - constatação esta que já possui quase dois séculos (ver "O Capital" de Karl Marx). Entretanto, nas rodas das elites e das classes médias ainda é tabu a discussão acerca da distribuição desta riqueza - tema quase sempre confundido com o assistencialismo e paternalismo do Estado brasileiro, como podemos constatar pela pobreza do debate em torno dos reajustes do salário mínimo, ocorrido recentemente.

A superexploração do trabalho humano, e a histórica concentração de riquezas nas mãos de uns poucos sempre foram marcas presentes em nossa formação socioespacial. A distribuição dessas riquezas, favorecendo milhões de pessoas, nunca foi tema de debate sério promovido pela nação - o que ainda deve ser feito.

Espera-se que com as marcas do novo tempo histórico (dentre elas, a difusão acelerada e mais democrática da informação), estas estatísticas passem a ser mais discutidas - afinal, de que vale ter uma economia maior do que algumas das maiores economias européias, se grande parte de nossa população ainda vive em condições bastante difíceis, em relação ao acesso a bens materiais de primeira necessidade e aos serviços básicos?

Cabe aos intelectuais, aos professores e às parcelas mais progressivas da grande mídia (se é que elas existem) promover este debate pois, em termos civilizatórios, nossa nação ainda é bastante pequena - e aqui, ainda, não cabe nenhuma celebração. Que me perdoem os economistas....